Sobre a realidade das nossas fantasias

Quando a gente tem uma vida muito intensa dentro da gente, dentro da nossa mente, que é sempre tão inquieta, fica difícil estabelecer uma relação saudável com a realidade.
A vida dentro da cabeça da gente pode ser tão mais atraente e incrível. E a vida dentro da cabeça da gente também pode ser tão assustadora e torturante!
Quando essas duas realidades se colidem o choque é inevitável.
Afinal, de tudo o que a mente cria e guarda, nem sempre é possível que se coloque pra viver. Mas tudo o que a mente cria e guarda impacta na forma como vivemos.
A vida interna é tão absoluta, contundente e barulhenta que a calma e a quietude externa não correspodem ao que deveriam. Passam a sensação de torpor ou de desimportância sendo que, na verdade, há um esforço tão grande para controlar o que acontece por dentro, que nem sempre sobra energia para colocar para fora. Ou então, se está tão ocupado vivendo os pensamentos e aventuras imaginárias, que a vida real deixa de ser interessante quase que pode completo e se torna apenas uma grande repetição do mesmo.
Se isso acontece, precisamos ficar alertas pois, uma vez que em nossas mentes arteiras sempre encontraremos soluções até mesmo para os devaneios mais surreais, o real do cotidiano tende a ser deixado em segundo plano, criando o ambiente perfeito para que possamos nos manter isolados e cercados apenas nos nossos pensamentos.
Mas em meio a uma realidade sempre caótica e apenas vez ou outra atraente, como seguir firme quando se há um universo inteiro dentro da gente, esperando para ser vivido?

Raquel  Núbia

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Foto: Raquel Núbia – São Tomé das Letras/MG

Vasca*

O sofrer da impaciência,
que aflige o pensamento.
Apreensão. Inquietude,
que acompanha a todo tempo.

Aflição e agonia.
Tormento e estertor.
É o mal da mente em chamas,
que se tortura com o calor.

Desassossego do poeta
que, no caos, encontra a rima.
Angústia e apreensão.
Ladrão de autoestima.

Receio, estresse, vasca.
O corpo em ebulição.
Escravo do futuro,
Com o presente em sua mão.

Contido ou generalizado,
o transtorno de ser perfeito.
É o remédio que mata
de efeito contrafeito.

Aspiração, avidez.
Esse inimigo interno.
Sofreguidão que acompanha,
até o descansar eterno.

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Foto: Raquel Núbia – Ouro Preto/MG

Raquel Núbia
*Vasca: Ânsia que precede os últimos momentos. Agonia. Momento extremo. Limite.

Um sentimento

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Foto: Raquel Núbia – Rio das Ostras/RJ

Tantas folhas em branco, prontas para receber seja lá o que for que vier dessa minha cabeça pensante e desse coração que, hoje, bate apertado, meio sem vida e calejado. Quando a mente fica agitada e o peito angustiado, a tendência é que se cale o exterior ou, pelo menos, que se cale a verdade e apareça somente o que deve aparecer, já que nem sempre há vontade ou necessidade de se mostrar totalmente.
E, às vezes, não há vontade de nos mostrarmos nem para nós mesmos. Apenas nos reservamos, guardamos o silêncio interior e apenas esperamos o tempo correr, desanuviar os olhos e “desembargar” o nó na garganta.
Tem dias em que bate uma tristeza… Um clamor por se envolver dentro de nós mesmos, nos encapsular para buscar proteção do que vem de fora e nos atinge. Tem dias em que o ouvido pede a música triste e as cordas vocais pedem o cantarolar de uma melodia sofrida. E tem dia em que é exatamente disso que precisamos: um tempo para sofrer.
Um tempo para nos entristecermos pelo que quer que seja.
Por uma ausência sentida, pela surpresa negativa que veio de onde não se esperava, pelo sentimento de “desimportância” ou qualquer outra tristeza sem motivo. Para que motivo?
Há momentos para tristeza. Não se engane, ela existe e pode ser bem vinda, pois após sentida ela pode se transformar, gerar outro sentimento. As razões que podem ser solucionadas, que sejam. E o que não puder: paciência.
O coração pesado que chora e faz chorar é o mesmo que bate forte e sorri, às vezes precisa apenas de um tempo e um pouco de força para sair do lugar e bater aliviado novamente.

Raquel Núbia

Lacuna

Há dias, como esse,
em que as horas vão vazias.
E uma hora, vale dias,
Num tempo arrastado,
Sem propósito ou por que.

A mente inquieta,
Se enche de possibilidade,
Que roubam a felicidade,
Que os dias comuns
Conseguem esconder.

Na demora do ponteiro,
Vão chegando uma a uma,
Sem fazer força alguma,
Todas as peripécias
Que a cabeça apronta.

A solidão que não ajuda,
Que na ausência traz, em suma,
E sem culpa nenhuma
O que suprime diariamente
Sem nenhuma afronta.

Sobram ideias e vontades,
Só fazem desorganizar
O que já está fora do lugar,
E que não tenta, nem de longe
Ser bonito.

O céu laranja traz a noite,
com ponteiros pra mostrar,
o relógio só faz marcar,
horas e dias arrastados
e infinitos…

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Raquel Núbiaa