Do clichê: Todo excesso esconde uma falta
Quanto mais a gente se conhece, mais consegue identificar situações, prever reações e saber o que vamos sentir e o que estamos sentindo. Mas nem sempre isso é suficiente para evitar algumas coisas, apenas podemos nos preparar para enfrentar as coisas da melhor forma que for possível.
Todo mundo tem uns momentos em que fica meio desanimado, cansado das coisas, chateado até mesmo “sem motivo” e tudo bem. Apesar do mundo e das pessoas cobrarem uma felicidade constante, interminável, tá tudo bem ter um tempo para não se sentir feliz.
Mas, como eu escrevi acima, quanto mais a gente se conhece, mais consegue saber se o tempo que estamos “pra baixo” está ou não dentro da normalidade. Com as ferramentas certas dentro da gente não é difícil diferenciar aquele cansaço e aquela tristeza comum daquela que faz mal.
Quem já sofreu ou sofre com depressão/sintomas depressivos, sabe que há uma luta constante para não voltar para esse buraco depois que já se saiu dele. Tem hora que essa luta é árdua e demanda muito esforço, em outras a gente nem lembra. A tendência é ficar sempre mais fácil e mais orgânico a medida que vamos nos fortalecendo.
Falar sobre isso é um tabu, pois existe todo um estereótipo por trás disso. Grande parte das pessoas ainda acha que quem é deprimido está trancado num quarto escuro, vestindo preto, com olheiras e ouvindo Radiohead.
Grande parte das pessoas ignora o fato de que quem é deprimido pode não se encaixar nessa forma, que existe, mas que não é a única.
Quem é deprimido também trabalha, sai com amigos, viaja, namora, vai a festas, posta memes e fotos bonitas, sorri, é sociável… Uma coisa não exclui a outra e, novamente, tudo bem. Uma pessoa pode sim fazer tudo isso e, ainda assim, se encaixar no diagnóstico depressivo, afinal são tantas as suas formas de manifestação que fogem se der somente a tristeza:
Cansaço, desânimo, dificuldade em sentir prazer com situações que antes eram prazerosas, irritação, dificuldade de tomar decisões, alteração nos padrões do sono e/ou apetite (dormir demais ou de menos, comer demais ou de menos), sensação de culpa, insegurança, isolamento social ou muita necessidade de contato, choro fácil, tristeza “sem motivo”… Veja só quantas possibilidades… Tudo isso manifestado por um período maior de tempo, indica sim um sinal de alerta. Entretanto, nem sempre isso significa que a pessoa não tem condições de continuar realizando suas atividades. Às vezes sim, às vezes não.
Os sintomas podem afetar o indivíduo em diversos graus e de diferentes maneiras, mas uma coisa é certa: todos precisam de cuidado, atenção e tratamento profissional.
No geral, todo nós lutamos nossas batalhas internas e externas e nunca sabemos totalmente pelo que o outro está passando. Ser/estar feliz ou triste não é algo exclusivo a nós, todos sentem, por isso é preciso ter cuidado: temos o poder de despertar o pior e o melhor nos outros.
Já parou pra pensar em como é ter todos os motivos para se sentir feliz e simplesmente não se sentir? Como é ter todos os motivos para se sentir animada, estimulada e ainda assim não se sentir?
Não é fácil…
Mas isso não significa que a pessoa seja fraca, incapaz, ingrata, etc. Isso significa apenas que se trata de uma pessoa que está doente e, portanto, precisa ser levada a sério em suas queixas na busca da recuperação/cura.
Simples. Mas muita gente tem dificuldade de compreender.
Nós temos a tendência de sentir medo daquilo que não conhecemos e de não acreditar naquilo que não vemos, ou naquilo que nunca experimentamos. Mas isso não nos dá o direito de questionar, julgar ou diminuir o outro.
Se você nunca sofreu com depressão, desconhece o peso que tem essa doença e seus sintomas: Sorte sua! Aproveite para exercitar sua empatia:
Capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela.
A empatia pressupõe uma comunicação afetiva com a outra pessoa, logo se você é incapaz de ser empático, isso diz muito mais da sua habilidade ou inabilidade de sentir afeto por outras pessoas e, se isso te impede de enxergar a dor alheia, acredite, a responsabilidade é sua e não de quem sofre com uma doença da qual você desacredita.
Esse estereótipo da pessoa depressiva isolada e catatônica complica ainda mais uma situação que já é delicada, pois qualquer atividade “normal” realizada é encarada como sinal de melhora ou como evidência de que tudo era frescura e “basta a pessoa querer” que tudo vai ficar bem, quando na verdade, não é nada disso. Se trata apenas de alguém vivendo o que a vida dá nos intervalos de manifestação de um sintoma e outro.
Assim como qualquer pessoa doente, esse quadro exige dedicação e isso. É difícil para as pessoas ao redor, eu sei… Conviver com alguém instável, “baixo astral”, não é tarefa fácil, mas é preciso se lembrar de que a pessoa não está assim porque quer e que já se sente culpada por afetar quem a cerca de maneira tão negativa e por não ser capaz de realizar suas tarefas triviais.
Se é a falta que mantém o indivíduo desejoso, seria então a falta do desejo de viver causada pela falta da falta?
São muitas as causas e muitas as formas de manifestação, o que é comum em tudo isso é a dor e ela existe, o vazio e ele existe. Só quem sente sabe, mas isso não impede que, quem não sente (que sorte!) se importe com quem sofre.
Outro dia me disseram: “Pessoas boas não deveriam se sentir pra baixo”, mas se sentem. Cada um tem um fardo diferente para carregar e, aos nossos olhos, o nosso é sempre maior, mas nunca saberemos como é para o outro. O que podemos fazer é imaginar.
É preciso ficar atento: Todo excesso esconde uma falta (amém Psicanálise), não julgue, não condene, não menospreze, afinal se você pensar um pouco ao olhar para dentro de si, qual será o seu excesso? Qual será a sua falta? Qual será o seu vazio? Como você manifesta tudo isso?
Não se engane. O que vemos do outro é apenas a ponta de um iceberg que mantém sua maior parte dentro do oceano e em águas turvas e revoltas são poucos os que se atrevem a mergulhar.
Raquel Núbia